segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Tudo para o alarme não tocar


Alterações programadas no nível de um hormônio estão por trás da incrível capacidade de acordar segundos antes do despertador


Quem tem o hábito de sempre acordar à mesma hora com um despertador já deve ter notado que muitas vezes acorda espontaneamente uns poucos minutos antes do desagradável escândalo matutino do aparelho, justamente a tempo de evitá-lo. E, quando há uma ocasião especial e nenhum despertador por perto, muitas pessoas conseguem se programar para acordar a hora certa. Como se houvesse um reloginho interno que funciona enquanto estamos dormindo.

Um estudo muito simpático, feito em Lubeck, na Alemanha, mostra que a capacidade de antecipar durante o sono o momento de acordar pode estar ligada à liberação no sangue, com hora marcada, de um hormônio. Jan Born e seus colegas sabiam que dois hormônios produzidos em situação de estresse, a adrenocorticotropina e o cortisol, são normalmente liberados em grandes quantidades no sangue no momento em que acordamos de maneira espontânea. Se o aumento do nível desses hormônios no sangue fazem parte dos mecanismos que marcam o fim do sono todas as manhãs, talvez ele também possa acontecer com hora marcada. Nesse caso, para ligar o “despertador interno”, bastaria programar a liberação no sangue desses hormônios para a hora desejada! Para determinar se é isso o que acontece no despertar programado, Born pediu a voluntários para dormir no laboratório, e avisou-os de que eles seriam acordados a uma certa hora da manhã. Enquanto eles dormiam, eram colhidas amostras de sangue a cada 15 minutos para a análise do nível dos dois hormônios no sangue. Os pesquisadores descobriram que, quando os voluntários esperavam ser acordados às 6h, o nível de adrenocorticotropina no sangue de fato começava a subir uma hora antes, às 5h, como que já preparando o corpo para despertar na hora prevista. Em comparação, quando os mesmos voluntários esperavam pela chamada somente às 9h, mas eram acordados de surpresa às 6h, o nível da adrenocorticotropina no sangue ainda não havia subido. Curiosamente, o nível de cortisol não mudou em nada no sangue com a expectativa de acordar no horário marcado.

Como o aumento da adrenocorticotropina no sangue parece facilitar o despertar espontâneo, talvez seja o aumen mo, nem bem sono nem bem vigília, virando a cama com os olhos entreabertos, pensando se to programado desse hormônio uma hora antes do despertar que nos permita ganhar a corrida contra o despertador. Até faz sentido esse “hormônio-despertador” ser normalmente um hormônio de estresse. É só lembrar da ansiedade que dá naqueles momentos de meio ter já não estará a hora de acordar.

E quem programa a liberação da adrenocorticotropina no sangue? Certamente o cérebro, que além de controlar o sono, também tem um reloginho embutido que não pára de bater, ajustando nossos horários ao dia do lado de fora. Se você pensa que o trabalho do cérebro não têm nada a ver com os hormônios, pense duas vezes: os dois se entendem até enquanto dormimos!

Suzana Herculano-Houzel, O cérebro nosso de cada dia- Descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Viera e Lent, p. 90-91, 2002

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Conto Gramatical Erótico



Eu acho que as pessoas sempre têm que estar sujeitas a mudanças e procurar captar o inefável, o incomensurável e o oculto, talvez, o esquecido na sociedade, para transmitir às pessoas um pensamento diferente e chegar aos maiores anseios do homem primário, promovendo uma grande revolução ideológica.

Esse é um texto interessante e como eu estou altamente sem tempo (notou que toda vez que venho postar algo aqui, sempre repito a mesma retórica – fato) irei compartilhar algo que comigo já foi compartilhado num exercício de análise de texto:

Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.

O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém pra ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.

De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo pra ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando do seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar em transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula: ele não perdeu o ritmo e sugeriu um longo ditongo oral, e quem sabe, talvez, uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.

É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva. Ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo seu predicativo do objeto, ia tomando conta dela inteira. Estavam na posição de primeira e segunda pessoas do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.

Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.

Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou, e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente! Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.

Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao se tritongo, propondo claramente uma mesóclise-à-tróis. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.

(Autor desconhecido)

Um conto muito curto, por sinal.